segunda-feira, outubro 27, 2008



Eu posso não saber muita coisa. Eu não sei arrumar nada, eu tenho sérios problemas em colocar as coisas em ordem. Eu também não sei ensinar nada, por mais que eu saiba fazer, parece que meu jeito de explicar é sempre meio estúpido. Pode-se dizer que eu não sou uma boa pessoa as vezes. Alias tem isso também, na verdade eu acho muito difícil me posicionar, parece que em toda situação os argumentos dos dois lados têm muita validade e é muito difícil me decidir. Mas uma coisa eu sei. Eu sei inventar histórias. Não é mentir, eu nunca soube mentir. E nem contar, contar é muito mais difícil, meu negócio é inventar.
E nesse caso, sendo inventar histórias o único talento que eu realmente reconheço em mim, eu tenho essa fantasia de que quando as pessoas morrem, chega um cara pra você e pede pra você inventar uma história. Não vale contar nada que te aconteceu em vida, nem nada que você já ouviu. Porque esse cara conhece todas essas histórias, ele conhece até as histórias que você inventou e nem nunca contou pra ninguém. A coisa é você inventar uma história ali, na frente dele.
Então eu morri e cheguei nesse lugar, um tipo de caverna e me aparece esse cara, atrás dele há uma porta. Ele pede pra eu inventar uma história, e eu digo “Eu posso não saber muita coisa....” e ai tudo continua até a parte que o cara dos mundos dos mortos pede pra eu inventar uma história. Não é melhor do que as histórias que eu criei em vida mas o cara olha pra mim e diz “ótimo começo, mas como essa história continua?” E eu fico indignada, por que raios minha história não pode parar ali? Um absurdo isso de até depois da morte a gente ter que criar histórias com começo, meio e fim.
Eu também nunca soube criar fantasias direito, porque eu acho que a maioria das pessoas inventam situações que lhe favorecem, e eu sempre me coloco nessas que não se resolvem. Mas eu acho que ele tem razão porque no fundo, eu não sei bem explicar porque, eu entendo que as histórias têm que ter fim e nesse caso eu tenho que continuar.
Mas ao fim da minha história o tal do cara tem que decidir pra onde eu vou, e nesse caso na minha história eu decido pra onde eu vou. E eu não sei pra onde eu posso ir. De qualquer forma, eu não sabia que depois da morte eu ia pra lá então eu vou em frente.
Imagino pra onde eu quero ir. Eu quero ir pra um lugar assim colorido, eu não sei bem o que tem nele mas eu sempre vejo ele assim colorido, e tem um monte de gente que eu gosto, e tem um bando de coisa boa. Eu acho que parece aquela sala da Fantástica fábrica de Chocolate onde tudo é comestível. Mas eu não posso dizer isso. Então eu digo que eu quero ir nadar num líquido gelatinoso vermelho, porque volta e meia eu me pego querendo nadar num líquido gelatinoso vermelho e bem gelado.
O problema é que antes de poder nadar no meu líquido gelatinoso vermelho eu tenho que terminar a minha história, dentro da minha história, para dentro da minha história parar no líquido gelatinoso vermelho.
E se dentro da minha história eu inventasse que quando você morre chega esse cara que te pede pra inventar uma história, e ao final da sua história ele te manda pra algum lugar. E eu poderia ir colocando histórias dentro da minha história e nunca sair de lá, Porque eu to com medo de descobrir pra onde esse cara vai me levar. Ai eu me lembro da Sherazade, e que se eu tivesse morta de verdade eu me arrependeria de nunca ter lido Mil e Uma Noites. Porque se eu tivesse lido Mil e Uma Noites eu poderia dizer se a Sherazade conta histórias toda noite, porque não quer morrer ou se é porque ela ama o sultão, e espera que um dia ele não queira mais matá-la. Porque vai ver no meio das minhas histórias eu começo a amar esse cara. Afinal ele é o único cara ali, e se eu morri agora, acho que eu não amei o suficiente. E como eu não sei se vai ter gente depois que eu terminar minha história, eu preciso amar esse cara. Eu preciso que ele nade comigo no meu líquido vermelho gelatinoso. Mas é mais difícil do que isso, porque eu também não conheço ele, só eu conto histórias pra ele, na verdade, eu nem criei ele direito nessa história, eu só me criei.
E ai eu me pego pensando se é nisso que ele presta atenção na história, o que a gente desenvolve nela, a gente só fala da gente. E eu me pergunto se as outras pessoas que morreram e passaram ali também tiveram que amá-lo e se ele amou alguma delas.
Então na história que eu conto, eu paro de contar a história. E dentro da minha história ele me pergunta o que foi. E eu falo que eu quero que ele fuja comigo para meu líquido vermelho gelatinoso. E ai novamente eu não sei como continuar, porque eu não sei o que ele vai dizer. Mas ele ouvindo essa história diz “Muito bem, é uma ótima história”.
Mas a história não acabou, ele não disse que sim nem que não.
Então ele abre a porta atrás dele, e lá está a sala que eu imaginei, muitas cores, todas as pessoas que eu gosto, quase como na Fantástica Fábrica, talvez melhor. O que é maravilhoso, se não fosse a perspectiva de passar toda a eternidade imaginando como seria nadar no líquido gelatinoso vermelho com ele.

terça-feira, outubro 14, 2008

Não é como se eu me sentisse cheia de alma mesmo...

Esses dias estava eu na frente do prédio principal da faap, quando preciso de uma caneta. A única pessoa por perto era essa mulher meio estranha, fumando sozinha. Peço uma caneta, e ela me puxa da barra da calça, não do bolso, uma caneta de prata com um cordão típico daquelas cortinas antigas. Eu disse "Obrigada" e ela disse "obrigada você".  Nessa hora percebo que não tem nada o que ela deva me agradecer, então talvez se  trate de algo que eu desconheço. Certamente a caneta tem um vudu e ela acaba de roubar minha alma e ainda me agradece por isso. Dez segundos depois de pensar isso, me veio a cabeça que ela trabalha numa loja, e que esta acostumada a dizer "obrigada você" pras pessoas, e ainda mais provável que ela trabalhe na lojinha do museu da faap, tipo de pessoa que teria uma caneta tão estranha. Dito isso, ainda prefiro minha  história do vudu.