Tem que começar de alguma lugar então se escolhe um personagem. Esse Caetano Veloso cantando essa musica é meu personagem. mas ele não é o Caetano Veloso, ele é Marcos e ele nem é tropicalista e nem está nos anos 60, vivendo qualquer coisa que eu nem tenho dimensões para entender. Marcos está com cara fechada, sentado, sozinho nesse sofá, numa sala cheia de gente e sem saber com quem conversar. é pior sem ter o que conversar ou mesmo porque conversar. Na verdade, conversar só seria uma forma de não se sentir ali idiota sozinho. E na verdade até eu sei, então o Marcos também sabe , que essa de ficar ali sentado sozinho parado no meio da festa já ta muito velha, que isso acontece com todo mundo uma hora. E que é constrangedor sim, mas que não é o fim do mundo. Então Marcos além de não ter com quem conversar, sobre o que conversar ou porque conversar, marcos quer muito fazer cocô. E não dá pra fazer cocô nessa festa, tem muita gente ali, é constrangedor. E mesmo se não fosse ,o banheiro está completamente inutilizável. e não é nem que marcos seja uma dessas pessoas obcecadas com limpeza. é só que tem alguns lugares que não tem condição, e que se não querer fazer cocô naquele banheiro era ser obcecado por limpeza então tudo bem, ele seria um obcecado. A solução era ir pra casa. Mas a carona de Marcos estava ali muito entretida com uma garota e seria pouco delicado da parte de marcos interromper a conversa ali naquele momento. Então lhe restava esperar. E não era o fim do mundo, era só esperar ali pensando em outra coisa. E não é que eu quero chegar em algo que seja de fato o fim do mundo, mas de repente Marcos se percebe completamente paralisado, sentado no sofá, nenhum membro lhe responde o comando, mãos, pernas, braços, pés, a cabeça não vira, a boca não abre, só os olhos abrem e fecham. Só.
Marcos em pânico de nunca mais sair dali.
Marcos com medo de já ter feito cocô no sofá e nem ter percebido.
Marcos tentando gritar.
Marcos querendo se acalmar.
Uma menina esbarra em marcos e deixa sua bebida cair no colo dele. Marcos continua sem se mexer, a menina pede desculpas e toma Marcos como louco quando ele não deixa de olhar pra frente.
Marcos sente a bebida penetrando por sua roupa, marcos sente todo canto pelo qual ela passa.
Marcos não tem medo de que isso nunca acabe ele sabe que vai passar e também não perde muito tempo no motivo disso estar acontecendo.
Marcos lembra de quando ele era Caetano Veloso, marcos se pergunta se Caetano Veloso algum dia existiu de fato, todas as musicas de Caetano Veloso poderiam ser suas se Caetano Veloso nunca tivesse existido. Mas ele nunca conseguiria se sentir bem com isso. Em ser o compositor de todas as musicas de Caetano Veloso se Caetano Veloso fosse uma criação de sua cabeça e todas as musicas de Caetano Veloso que ele nunca ouviu. Marcos nem sabe tocar violão direito. Marcos tem certeza que isso de ficar paralisado em uma festa e com vontade de fazer cocô nunca aconteceria com Caetano Veloso, provavelmente com muitas pessoas mais, como GeorgeClooney, Quentin Tarantino e Roger Federer.
Marcos observa a festa e algumas pessoas começam a ir embora. Marcos resolve não tentar se mexer mais, porque ele acha que na verdade ele consegue se mexer só precisa querer muito. Ele só não tenta com o medo da frustração.
Marcos começa ter medo de como isso pode prosseguir, a hora que seu amigo quiser ir embora, como ele poderá levantar? E se alguém vier falar com ele? Marcos tem até vergonha de estar paralisado, mais vergonha até do que medo. Marcos gostaria de poder pensar em outra coisa.
Marcos sabe que existe um outro sofá do outro lado da sala. Ele vê apenas partes desse outro sofá, por entre as pessoas conversando no meio da sala. Há uma pessoa sentada nesse outro sofá, Marcos vê apenas um pedaço de calça jeans. Não é Possível distinguir o sexo dessa pessoa só pelo pedaço de calça que se vê. A esperança de Marcos é que o dono do pedaço de calça jeans também esteja paralisado e que possa assim pelos menos compartilhar da mesma dor que ele. Mesmo que seja só por olhares. Marcos permanece intrigado com o sexo dessa pessoa. Se fosse um homem seria um novo companheiro. Se fosse uma garota seria um Possível romance. Aquele amor que começou pela paralisia. E se fosse uma menina feia? E se ele tivesse de amá-la mesmo assim? Marcos fadado à paralisia, Marcos fadado ao amor da dona do pedaço de calçajeans.
O pedaço de calça jeans se move e sai do sofá sumindo no meio da multidão, sem que Marcos possa descobrir mais nada a respeito.
Não sei mais como tirar Marcos desse sofá, mas deveria haver algo que ele pudesse fazer. Se apenas houvesse um motivo para Marcos estar paralisado. Era só para poder ser o fim do mundo. Para ter uma história. E nesse caso Marcos deveria superar o fim do mundo ou pelo menos tentar. Marcos me detesta. Ele não detesta nem a paralisia, ele só não sabe porque tinha que acontecer com ele.
Eu gostaria de me divertir as custas de Marcos. Mas não consigo, me sinto as vezes mais em pânico do que ele. Sou talvez aquele pedaço de calça jeans, na mesma situação que marcos por alguns segundos, mas com todo distanciamento devido. Deixo ele antes que possa ajudá-lo. Vou embora sem dizer nada. E Marcos fica ali no sofá pra sempre.
