sábado, março 13, 2010



Há alguns anos atrás eu fui num evento de literatura chamado Flap, uma espécie de alternativa ao Flip. Fui convidada por um cara que eu conheci acidentalmente numa feira do livro da USP, em uma banca de poesia, pro evento que aconteceu no espaço satyros, é.
Entrei numa sessão em que quatro pessoas ligadas a literatura falariam sobre determinado assunto. Não lembro quem eram elas. Lembro de um autor pseudo famoso, pseudo falido, pseudo engraçado, que cativou a platéia, falando dos fracassos de seu livros e tomando mais tempo que lhe era destinado. Encurtando o espaço da mulher que vinha em seguida. Eu até comprei um livro dele que eu nunca li e nem sei onde está. A mulher que falou depois era muito bonita. Alta, bem vestida, muito inteligente, parecia ser uma pessoa absolutamente interessante mas, apavorada em falar em público. Pensei como era raro isso, uma pessoa tão interessante em uma posição tão constrangedora. A voz dela fraquejava e tremia e gaguejava e ela tomava água.
Ela começou. Vou falar sobre o livro tal do autor tal. E o tal autor na primeira fileira se levantou e foi embora. O desespero dela aumentou “ah esse que saiu é o autor, é uma pena que ele não queira ficar”. Fiquei sentida por ela, como ele podia fazer isso com ela assim, tão nervosa?
O livro falava desse personagem encarcerado em uma prisão que ele não sabia onde era. Nem o motivo de sua prisão ele sabia. E além de tudo, ele tinha os olhos vendados. A princípio o preso tenta se comunicar, perguntar por que está lá, onde está, pedindo ajuda, pedindo clemência. Ele tenta todas as línguas que sabe, gesticula, grita, sussurra. Ninguém lhe responde. Mas ele sente a presença de alguém ,ele ouve essa respiração de outra pessoa.
Depois ele passa tentar entender o lugar, as paredes, as grades, o chão, a janela. Ele tateia tudo, sente o cheiro das coisas. É um ligar sujo, fedido, mas é tudo que ele tem. Ele sabe onde está a pessoa respirando, mas não pode chegar até ela por causa de uma grade.
Em algum momento ele entra em crise por não saber onde fazer coco, onde fazer xixi, pensando se ele vai ter que conviver com seus dejetos, pensando em ter que fazer essas coisas na frente da pessoa que respira.
Lembro também que em algum momento ele invocava deus, em quem ele nunca tinha acreditado muito, reza, ora, pede ajuda.
Não lembro de muito mais do que isso. Sei que ela fez uma relação com presídios feito Abu Ghraib e achei até que não precisava. Volta e meia eu me pergunto se essa necessidade de ser político precisa ser tão latente. Volta e meia eu penso que não existe nada mais importante.
De qualquer forma, eu voltei a pensar no autor que havia saído tão bruscamente. Pensei que por mais que ele ficasse constrangido com alguém falando de sua obra assim publicamente, ninguém faz uma desfeita assim com o admirador. Por mais que fosse constrangedor, ele deveria ter ficado. A não ser que o comentador fosse uma pessoa muito próxima. Ficou absolutamente certo então ali na minha cabeça que ele era apaixonado por aquela mulher. E que na verdade ela havia colocado ele naquela cela, ela era a respiração ali do lado de fora e portanto ela merecia sim todo aquele constrangimento, sem nem saber porque. Ela merecia gaguejar e se constranger e ser deixada pelo autor. E pensei como era ainda mais interessante que esse cárcere vendado, o carcereiro que não tem idéia da sua condição.

2 comentários:

Luisa disse...

tava com saudade dos seus textos, lili. gostei muito!
beijo grande!
Lu Amoroso

Anônimo disse...

Marcus David curtiu muito isso e em super segredo confidencial ele morre de inveja