domingo, dezembro 12, 2010


Era uma trepadeira dessas que dá flor. Mas só tinha flores murchas e botões, nenhuma flor aberta de fato, fiquei pensando nisso. Que as coisas mais bonitas são mesmo essas que a gente nunca vê. E depois me cansei dessa minha mania de metáforas, de achar que tudo tem significado e saí andando.

Me lembrei disso quando Jerome me contou que guardava todas as fotos de sua esposa num cofre.

Ele diz isso depois de muito tempo de conversa. Jerome me elogia muito, pergunta como eu não tenho namorado, pergunta se não existem homens fazendo fila em minha porta. Não sou dura com ele, aceito o elogio, mesmo que batido. Pergunto de volta porque ele não tem uma namorada. Ele diz que é uma longa história. Jerome não sai com ninguém desde que ela morreu, não sente que as filhas estão prontas para ver o pai com outra mulher e que por isso ele recorre a esse tipo de site.

Fico triste por ele, não consigo deixar de pensar como é difícil administrar as expectativas de duas meninas sem mãe. Ele diz que eu pareço com ela e pede desculpa por olhar pra mim de forma tão invasiva.

Jerome é professor de matemática, substituto de educação física e dá aula de inglês para estrangeiros também. Jerome me acha hilária. Penso nesse senso de humor que os pais têm. Que eles precisam aprender a rir de qualquer coisa, do dinossauro que tropeçou na árvore e do gato que caiu no balde d’água, um dia as crianças deixam de achar aquilo tudo engraçado e depois não tem muito como os pais desaprenderem. Dou risada de tudo que não costuma ter graça pra mim, porque estou disposta.

Jerome me conta que freqüenta um bar de poesia em seu bairro, que ele gosta muito de escrever e pergunta se escrevo também. Eu digo que não, que costumava escrever poesia e que parei faz tempo. Não digo para ele que tenho completa aversão a esse tipo de troca. E talvez mais ainda ao meu tempo de poesia. Na época eu era fascinada por sinestesias mais do que por metáforas. Me lembrei disso outro dia ouvindo uma música da Marina Lima que diz “Se eu tivesse palavras eu faria um quadro”, que coisa mais idiota. Mas essa música também diz “num cofre não se guarda nada, num cofre perde-se a coisa a vista”.

A conexão cai. Eu nunca mais poderei ver Jerome. Fico inconformada. Eu não posso deixar esse homem. Preciso fazer companhia pra ele. Me atormenta a idéia de deixá-lo sozinho com toda a decepção que essas meninas sentem em não ter mãe. Não me iludo com qualquer altruísmo nos meus sentimentos, eu quero aquele amor todo. Eu quero que ele ache que meus olhos são iguais aos dela. Eu quero receber todo esse amor sem ter feito nada para merecê-lo. Primeiro recorro ao Google, procuro por professores de matemática em sua cidade. Não tenho informações suficientes para procurar. Não é fácil. Me dou conta, depois de quase uma hora, que os obituários são minha última esperança. Ela morreu faz 3 anos. Procuro em todos os obituários de San Diego, de 2007 e até o meio de 2008 (porque algumas pessoas consideram dois anos e meio, como três) a morte de uma mulher com por volta de 28 anos, que tenha deixado um marido e duas filhas para trás. Encontro muitas falecidas que enviuvaram Jeromes, a maior parte muito mais velha, algumas sobreviventes de guerras, outras talentosissimas e tantas muito queridas pela família. Finalmente encontro Claire Sabiston, morreu com 27 anos em outubro de 2007, faz três anos exatamente. O obituários diz apenas “You’ll be really missed by the three of us”. E diz também onde será o velório. encontro Jerome Sabiston em um site de professores particulares, ele cobra 30 dolares a hora e tem muitas referências boas.

Jerome fica muito feliz que o encontrei. Rimos juntos de quão absurdo foram os meus meios. Mas também não rimos tanto, não queremos pensar no quão pouco engraçado é.

Essa é a terceira vez que me despeço de Jerome no aeroporto. Fazemos pouco caso, quem vê pensa que trabalhamos juntos. No portão de embarque sempre pergunto “Do you have your passport?”, ele dá um pequeno tapinha no bolso e um beijo rápido em minha bochecha. Nos damos as costas sem olhar para trás. Na primeira vez que ele veio, trouxe Dorothy e Jude, levou elas pra praia. Me encontrava escondido. Nunca as vi. Achamos inapropriado. Passamos a maior parte do tempo falando sobre Claire. Ele me explica em detalhes, como ela dirigia com o cotovelo para fora da janela e se maquiava entre faróis, que ela mantinha uma pequena lanterna no porta-luvas e pelo menos duas mudas de roupa no porta-malas. Que ela dirigia feito uma louca, e que a certa altura do namoro deles, ele se acostumou com a idéia de que isso nunca mudaria. Mas que ela de fato dirigia de forma diferente quando as meninas estavam a bordo e que quando não estavam ele costumava dizer “can’t we Just pretend Jude is in the back seat?”.

Não tento imitar ela em nenhum aspecto, ouço tudo com muita atenção, quero saber mais, quero saber tudo. Jerome sempre tem mais o que contar. Ele me conta também sobre as meninas, como Dorothy gosta de pintar livros de colorir com o giz branco. O que não faz tanto sentido, mas parece ser de grande sensibilidade. Ela quer preservar o livro como está, mas também quer ter o prazer de preencher.

Quando ele fala das meninas é o mais próximo que chego de ocupar o lugar dela. Nunca comentamos esse deslize. Concordamos que é um direito que adquirimos depois de tanta disciplina.

Pode significar qualquer coisa. Passei outro dia pela mesma trepadeira. Não sabia onde ia chegar colocando ela aqui. Não é preciso pensar muito, eu sou o botão, Claire é uma flor murcha e flor aberta não se vê.

sexta-feira, junho 18, 2010


- O que você ta lendo?

- Samuel Beckett

- Não conheço...

- É um dramaturgo irlandês, ele não tem cara de crocodilo?

Mostro a foto na capa do livro.

- Na verdade não...

- Tem sim, eu vou te mostrar outra foto.

Vamos até o computador e eu mostro pra ele uma foto em que a expressão carrancuda do autor é completamente crocodilical. Daniel concorda comigo. Deixo o livro, ele sai do quarto. Passo a procurar fotos de autores famosos e pensar como seria a minha foto na orelha de um livro. Não gosto da expressão Cult e nem da cara de deprimido, Beckett tem a seu favor essa cara de mau. Eu gosto especialmente da foto do Camus que tem na orelha de O Estrangeiro. Ele ta muito bonito na foto, em nenhuma outra foto ele é bonito assim. A foto é do Bresson e estou convencida de que ele era apaixonado pelo Camus para poder fotografar ele bonito assim. Mas também isso não é verdade.

Daniel é meu roomate, acho que não existe palavra melhor em português. Não temos muito em comum, ele não gosta muito de sair e ele não gosta do Rio de Janeiro. Acho bom isso da gente não ser parecido, existe a possibilidade de uma melhor convivência sem a necessidade de uma amizade. Temos essa piada pronta de que eu sou uma pessoa muito esquisita. Lendo crocodilos e fazendo comidas pra lá de integrais.

Eu acordo cedo e vou para Ioga três vezes por semana, vou andando pela praia. Ai volto pra casa e escrevo um pouco. Foi o que eu sempre quis dizer que eu faço “volto pra casa e escrevo um pouco”. De tarde tem o curso, tentamos todos ser amigos por lá apesar da competição. Volto pra casa, faz 2 semanas que estou aqui e ainda me perco um pouco. Estou procurando um samba bom para freqüentar em Santa Tereza, vou para lá uma vez por semana e tento ficar sozinha tomando uma cerveja. Mas sempre parece solitário demais. Ou alguém me tira pra dançar e acho constrangedor de mais dizer que sim e constrangedor de mais dizer que não. Tento ver um filme todo dia no cinema ou em casa, um bom filme e depois escrever sobre ele.

Sempre compro mais comida do que preciso ainda não sei organizar isso e sempre acho que vou ser mais saudável do que realmente sou. Uvas, abacaxi, morango, banana, maçã, cebola, cenoura, abobrinha, alface, tomate, pepino e couve-flor.

Desde que surgiu a possibilidade de mudar para o Rio sempre sonho com o dia em que vou chegar para o meu professor de Yoga e dizer “eu queria que você me recomendasse uma boa escola de Yoga no Rio”. Porque eu tenho gostado muito de fazer yoga e não queria perder o gosto com a mudança. E ai veio a idéia de que no Rio eu poderia fazer yoga e andar na praia. E ai onde eu ia morar por lá? Analisei toda região e comecei a pensar com quem e como eu ia morar. É uma sorte que o apartamento de Daniel tenha duas vagas de garagem.

É claro que Daniel não existe e a possibilidade de ir para o rio parece cada vez mais remota. Eu gosto da Yoga porque de repente parece um esporte que tem um cunho espiritual. Na academia você passa uma hora na esteira ouvindo Lady Gaga e parece que sua subjetividade vai embora junto. Eu nem entendo o que a Yoga propõe espiritualmente, qualquer coisa que deve fazer bem, mal não há de ser. Faz falta qualquer espiritualidade nessas horas que a gente quer muito uma coisa que não depende mais da gente. Falta a quem pedir. Tive vontade de ligar para minha avó “reza para eu conseguir a vaga no Rio, vó”. Como se eu precisasse de um representante espiritual, já que eu não tenho muito crédito. Ou ia perguntar para o professor de Yoga “e ai tem alguma divindades dessas que eu possa pedir alguma coisa? Precisa acender um incenso? Tem alguma burocracia?”. Passei a pensar em carma, quando a gente pula toda o tramite da espiritualidade e vai direto para a superstição: o casaco que eu não devolvi e passei a usar, uma figurinha que eu peguei a mais, quando eu fiquei soltando nomes de autores no meu blog como uma entendida qualquer, tudo que eu fiz de errado nessas últimas semanas...

Acho que não existe qualquer forma de dizer, sem ser ridícula, que isso aqui é o mais perto de um pedido ao cosmos que eu posso chegar.


foto em que o beckett parece um crocodilo.

sexta-feira, maio 14, 2010

Em memória de Olívia




Esses dias eu fui num restaurante vegetariano natureba que, especialmente essa semana, estava com um cardápio baseado em palmito. Um monte de gente havia recomendado as tais especialidades de palmito e elas aconteceriam só essa semana, então tive que conferir. O cardápio iniciava a sessão do palmito com o título Em memória de Olívia. E explicava assim, que há 10 anos, quando eles compraram o espaço do restaurante eles fizeram uma horta e plantaram nela uma árvore de palmito. Todos os membros do restaurante gostavam muito de palmito e lhes parecia anti-ecológico comer palmito industrializado. Assim, todos colocaram muito afeto e dedicação para que a árvore crescesse e para que um dia todos pudessem desfrutar de um palmito sem culpa. Os anos se passaram, eles plantaram de tudo naquela horta e a árvore de palmito continuava lá, era a única arvore no quintal e necessitava de muito cuidado, então ela ganhou um nome Olívia Palmito. Tinha até quem conversasse com ela. Então há 3 anos, quando a Olívia estava pronta para o corte, ninguém teve coragem de "abater" a árvore. Todos eles sentiam que seria como comer a carne de um animal e concordaram que não havia qualquer forma de comer palmito sem culpa. Acontece que na semana passada aquela chuva absurda derrubou a Olívia e não faria sentido algum jogá-la fora. Seria um desperdício de comida, além de toda aquela vontade acumulada há anos pronta para gerar receitas incríveis com palmito. Por fim, fizeram um cardápio em memória da Olívia. E plantaram outra arvore de palmito, que eles não pretendem comer, mas que se daqui 10 anos ela for atingida por um raio, outra semana do Palmito acontecerá. Na saída eu fiquei conversando com um manobrista enquanto esperava a chuva passar. "A comida daqui é boa, né moço?" "Não sei, eu não como ai não, não tem carne". Parecia justo. "Mas e essa história do Palmito, hein? Que história!" "que palmito?" "Ué, a arvore de palmito que eles plantaram aqui...". O homem fez uma cara de saco cheio e disse "quer saber? eu vou te mostrar uma coisa" Ele me levou pro quintal do restaurante, onde ficava a tal da horta. E não tinha horta nenhuma.

sábado, março 13, 2010



Há alguns anos atrás eu fui num evento de literatura chamado Flap, uma espécie de alternativa ao Flip. Fui convidada por um cara que eu conheci acidentalmente numa feira do livro da USP, em uma banca de poesia, pro evento que aconteceu no espaço satyros, é.
Entrei numa sessão em que quatro pessoas ligadas a literatura falariam sobre determinado assunto. Não lembro quem eram elas. Lembro de um autor pseudo famoso, pseudo falido, pseudo engraçado, que cativou a platéia, falando dos fracassos de seu livros e tomando mais tempo que lhe era destinado. Encurtando o espaço da mulher que vinha em seguida. Eu até comprei um livro dele que eu nunca li e nem sei onde está. A mulher que falou depois era muito bonita. Alta, bem vestida, muito inteligente, parecia ser uma pessoa absolutamente interessante mas, apavorada em falar em público. Pensei como era raro isso, uma pessoa tão interessante em uma posição tão constrangedora. A voz dela fraquejava e tremia e gaguejava e ela tomava água.
Ela começou. Vou falar sobre o livro tal do autor tal. E o tal autor na primeira fileira se levantou e foi embora. O desespero dela aumentou “ah esse que saiu é o autor, é uma pena que ele não queira ficar”. Fiquei sentida por ela, como ele podia fazer isso com ela assim, tão nervosa?
O livro falava desse personagem encarcerado em uma prisão que ele não sabia onde era. Nem o motivo de sua prisão ele sabia. E além de tudo, ele tinha os olhos vendados. A princípio o preso tenta se comunicar, perguntar por que está lá, onde está, pedindo ajuda, pedindo clemência. Ele tenta todas as línguas que sabe, gesticula, grita, sussurra. Ninguém lhe responde. Mas ele sente a presença de alguém ,ele ouve essa respiração de outra pessoa.
Depois ele passa tentar entender o lugar, as paredes, as grades, o chão, a janela. Ele tateia tudo, sente o cheiro das coisas. É um ligar sujo, fedido, mas é tudo que ele tem. Ele sabe onde está a pessoa respirando, mas não pode chegar até ela por causa de uma grade.
Em algum momento ele entra em crise por não saber onde fazer coco, onde fazer xixi, pensando se ele vai ter que conviver com seus dejetos, pensando em ter que fazer essas coisas na frente da pessoa que respira.
Lembro também que em algum momento ele invocava deus, em quem ele nunca tinha acreditado muito, reza, ora, pede ajuda.
Não lembro de muito mais do que isso. Sei que ela fez uma relação com presídios feito Abu Ghraib e achei até que não precisava. Volta e meia eu me pergunto se essa necessidade de ser político precisa ser tão latente. Volta e meia eu penso que não existe nada mais importante.
De qualquer forma, eu voltei a pensar no autor que havia saído tão bruscamente. Pensei que por mais que ele ficasse constrangido com alguém falando de sua obra assim publicamente, ninguém faz uma desfeita assim com o admirador. Por mais que fosse constrangedor, ele deveria ter ficado. A não ser que o comentador fosse uma pessoa muito próxima. Ficou absolutamente certo então ali na minha cabeça que ele era apaixonado por aquela mulher. E que na verdade ela havia colocado ele naquela cela, ela era a respiração ali do lado de fora e portanto ela merecia sim todo aquele constrangimento, sem nem saber porque. Ela merecia gaguejar e se constranger e ser deixada pelo autor. E pensei como era ainda mais interessante que esse cárcere vendado, o carcereiro que não tem idéia da sua condição.

terça-feira, março 09, 2010




hoje me deu vontade de ir em uma festa onde ninguém me conhecesse. e eu não diria que eu faço cinema. eu diria que eu faço algo com administração ou veterinária. que eu tenho um cachorro labrador chamado fofo e que a Julia Roberts é minha atriz preferida. eu diria que não bebo cerveja. e que odeio cinema brasileiro. e que adoro djavan. eu diria que não tenho nada contra gays desde que nenhuma menina chegue em mim, diria também que tenho muitos amigos homosexuais, mas que não gosto da forma como eles vivem falando de sexo. alias se alguém falasse de sexo eu faria cara feia. eu olharia feio pra quem bebe de mais e pra quem usasse drogas. eu diria pra quem perguntasse que eu gostaria de casar em uma fazenda e que eu gostaria ficar noiva durante dois anos, pra curtir mais os preparativos. eu diria que vou votar no serra. que acho o MST um grupo de criminosos. que acho greve coisa de vagabundo. eu não iria no banheiro da festa se fosse muito sujo. e eu reclamaria do som alto. eu tomaria duas caipirinhas de vodka com adoçante e depois mascaria chiclete.

terça-feira, fevereiro 23, 2010


Eu precisava dizer. Te vi entrando com um homem, em um motel, quarta feira passada, na hora do almoço. Eu não quero nada de você, é só que eu precisava contar isso para alguém. Eu não estava fazendo nada de errado ali, eu trabalho duas quadras dali, no prédio antigo da direita. Muita gente do trabalho vai naquele motel. Não que eu saiba muitos detalhes da vida sexual das pessoas com quem eu convivo. Mas as vezes as pessoas contam, não acho nada de errado. essas pessoas são solteiras, fazem o que quiserem da vida delas. não estou te julgando por ir ao motel com um homem que não é seu marido. Na verdade, estou te julgando sim. Mas veja bem, é um direito meu. Estou explodindo com essa história. precisava contar a alguém. e eu posso até ser conservadora e achar que mulheres casadas não devem ir ao motel com homens que não são seus maridos, mas futriqueira eu não sou.

Talvez eu seja futriqueira, eu só não tinha a quem contra mesmo.

Não queria contar ao meu marido e se ele não ficasse chocado? Eu ficaria arrasada.

Tão pouco poderia contar as minhas amigas. eu não suportaria o cinismo julgamentoso delas com você. eu nem te conheço, eu sei. mas não gostaria de resumi-la a adultera, a mulher sem moral...

O que de fato pensei em fazer foi contar ao meu filho. Eu diria "não quero que você ande mais com o Marcos, a mãe dele tem feito coisas reprováveis". Seria especialmente cruel, me vingar de você pelo seu filho. Me vingar de você, de você que tem tempo, que tem corpo e que tem desprendimento para ter um caso. Não é como se eu quisesse ter um caso, mas eu gostaria de ter todas essas coisas que são necessárias pra ter um caso.

no final eu nunca faria mal nem a você, e nem ao seu filho. Precisa de um pouco menos de sanidade. Mas é disso mesmo que estou falando. de sanidade. dessa necessidade que a gente tem de ser sã para conviver com tudo na vida. manter essa sanidade enlouquece a gente. ter um caso é uma vasão de insanidade, um breve momento de liberdade. é isso que não sai da minha cabeça. é isso que me faz passar na frente do motel algumas vezes antes de entrar no trabalho. procurando você. eu passo lá procurando por você. eu trabalho olhando o motel pela janela. e não tem como ver nada. mas te imagino naquela janela.

Outro dia eu entrei no motel. eu passei na farmácia antes. comprei camisinhas, com bastante cuidado, como uma mulher com um caso secreto faria. Ao lado da farmácia havia uma loja de lingerie. E eu não teria ido tão longe mas loja estava ali do lado. Comprei um conjunto vermelho, nunca achei lingerie vermelha bonita de fato, é vulgar de mais. comprei mesmo assim.

Esperei a rua estar completamente vazia. Entrei no motel, pedi um quarto com duas garagens. O quarto era exatamente como eu imaginava, não havia qualquer glamour, o chão de azulejo, o colchão revestido de plástico, os quadros eróticos na parede. Senti um certo prazer em saber que eu não era o tipo de mulher que tem que me submeter a esse tipo de lugar. e você é. pedi uma champagne e fiquei esperando meu amante chegar deitada na cama com a minha lingerie vermelha.

Eu não tenho um amante, acho que você entendeu isso. foi o que eu fiz. em casa eu escondi a lingerie. No trabalho eu tive que justificar algumas horas a mais de almoço. Ninguém desconfiou que eu tivesse um caso. acho que meu marido nunca vai encontrar meu conjunto vermelho.

mas era sobre sanidade. é que eu precisava deixar toda essa loucura sair por algum lugar. essa obsessão com você, com um caso, com o motel. eu precisava contar a alguém. e com você eu não tenho nada a perder. Você eu posso torturar com a minha loucura.

sexta-feira, fevereiro 19, 2010


Ela costumava dizer que existiam quatro coisas que você provavelmente nunca fará em vida. mas que talvez fosse importante fazer. Eram elas, em ordem aleatória: Matar uma pessoa, ir à lua, comer carne humana e ir à Antártica.

São experiências muito sérias e que provavelmente mudam completamente algumas perspectivas. acho que não é tão difícil de entender. é só isso, são experiências importantes. e que fazem falta.

ela e o namorado discutiam há algum tempo sobre estupro.

"é que você precisa se proteger mais, o que você faria se acontecesse?"

ele defendia que ela deveria de alguma forma andar armada

"não é um absurdo o que eu to dizendo, se você andasse com uma faca, não seria como uma arma, com a qual você poderia matar alguém. é só algo que esta ali para te ajudar. se acontecer..."

Ela dizia que não aconteceria. e se acontecesse seria uma lástima. mas que ela não gostaria de matar ninguém mesmo assim.

a ele, isso foi como uma ofensa, como ela não mataria seu estuprador? como ela não teria esse espírito de vingança? era quase uma medida preventiva, para que aquilo não acontecesse com outras mulheres. talvez fosse outra experiência importante, ela pensou, mas não quis argumentar nesse sentido.

Ficou até um pouco ofendida, na verdade, essa obrigação repentina de ser uma mulher viril. ela não achava que ele era esse homem viril e nem precisava que ele fosse. apesar de que as vezes seria interessante.

então ela passou a andar com um pequeno canivete no chaveiro, como uma medida de afeto a ele. era um canivete suíço antigo e charmoso. algo que ela se orgulhava de ter. E com o qual passava agora a conviver diariamente.

Assim em qualquer momento de tédio o canivete passou a ser um brinquedo. como usar isso, como puxar aquilo. como ela atacaria um estuprador que entrasse no seu carro.

no momento que ele viesse para cima dela, ela cravaria a faca do canivete nas costas dele.

e ai percebeu, aquela faca precisava ser afiada. lembrou que havia uma pedra de amolar faca na cozinha, custou aprender, cortou o dedo, estragou um pouco a faca. mas por fim tornara sua faca perigosa de fato.

passou a tentar abrir a faca com uma mão só. primeiro com a mão direita, depois com a esquerda. e depois a manejar a faca com segurança, segurar ela com força, mover ela com destreza.

Teve uma noite, em que ela caminhava até o carro, era uma rua deserta. ela segurava suas chaves com força, abriu o canivete e de repente se sentiu segura. ela tinha certeza que nada lhe aconteceria na verdade. mas naquele instante ela deixou de ser vulnerável e tornou-se, de alguma forma, perigosa.

passou a ter uma relação intensa com o canivete. Era um segredo. se sentia segura com ele a vista. tinha vontade de mostrar às pessoas tudo que era capaz de fazer. mas tinha também medo do que pudesse fazer com o chaveiro. E se em uma discussão mais acalorada com um amigo ou com o namorado, aquilo não viesse a tona?

talvez isso fosse um medo masculino, ser capaz a qualquer momento de machucar alguém que se gosta.

as vezes andando sozinha a noite ela sentia até uma pequena vontade de ser atacada. só para ter uma chance real de usar o canivete. mas censurava esses pensamentos. sabia que se isso de fato acontecesse ela provavelmente esqueceria todo seu perigo auto-didata.

Certa madrugada, voltando pra casa, ela parou em um sinal vermelho diante de uma avenida. alguém bateu em sua janela. Tomou um susto. Num reflexo idiota, abriu o vidro. era um homem saindo de um bar.

"vai subir a avenida, menina linda? me deixa no metrô!"

o sinal abriu. ela fechou a janela e arrancou o carro. quase machucou ele. Até machucou um pouco. ele riu sozinho e foi andando em direção ao metrô. Ela olhou pra trás e parou o carro. esperou ele passar por ela novamente e abriu a janela.

"entra ai"

ele entrou no carro e foi falando durante todos os dois minutos que levaram para chegar ao metro. como era difícil morar onde ele morava, nesses dias que choviam tanto. andava chovendo de mais.

ela parou o carro na esquina de baixo do metro. Ele acenou pra ela.

"deus lhe pague, moça"

Ela estava aliviada. Ou levemente decepcionada. Ou completamente decepcionada. Queria viver ali mais um pouco. até demorou um pouco para destravar o carro. destravou e travou novamente. ele olhou pra ela intrigado. ela olhou forte para ele e levantou um pouco a saia. ele se transformou imediatamente. pulou para cima dela, exatamente como ela imaginava. ela puxou com força o canivete, a chave saiu da ignição junto. cravou sem exitar o canivete na nuca do homem.

ela iria à delegacia. alegaria legitima defesa. aquele homem que abordou ela logo antes dela entrar no carro. Ele empurrou ela pra dentrou do carro. Tentou abusar dela. Por sorte ela tinha o canivete em mãos.

depois pensou em quem era ele. em como teria de encarar a familia do homem. em como teria de recontar a mesma mentira tantas vezes.

ela jogou o corpo dele em uma avenida dessas enormes. não havia ninguém andando na rua. e estava muito escuro. ninguém viu nada.

procurou no google em seu celular com internet, como tirar manchas de sangue. ela passou a madrugada inteira limpando sangue do carro, ouvindo beatles.

nenhuma notícia saiu no jornal. ela nunca comentou com ninguém. ela terminou com o namorado porque sentia que era em parte culpado.

ela se prometeu que só contaria essa história quando estivesse muito velha e gagá e pensassem que ela estivesse inventando. as vezes ela perguntava se não era mesmo invenção.

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

20:22


ta ai rubens?

to morrendo de fome

e to com preguiça de comer

mas é tb pq eu ainda to de ressaca

acabei de ver um filme do adan sandler

e gostar

eu costumo odiar essas comedias escrachadas de mais

mas comecei a gostar

pena, era um dos poucos bons gostos que me vinham naturalmente

ok

vc não ta ai

ou ta

eu tb to com diarreia verbal hj

não paro de falar

não consigo

parar

uma loucura

quanto será que eu consigo te escrever sem vc responder?

isso ia ser engraçado

uma dessas histórias que a gente conta depois

"mano, eu cheguei no meu computador e a ligia tinha escrito sem parar durante uma hora no meu gtalk"

quanto tempo será que demora pra ler o que eu escrever em uma hora?

deve ser bastante

né?

ah eu ia contar alguma coisa legal

e esqueci q q era

ah lembrei

uma historia dessas pra contar tipo a vez que a gente escreveu no blog do leopoldo

LEMBRA DISSO?

foi incrivel

fazia anos q eu não lembrava disso

nossa

pensando bem, se alguém fizesse isso comigo eu ficaria bem puta

mas aqueles eram tempos diferentes

ninguém tinha blog

ninguém usava a internet

seu negocio ta escrito "desocupado a 3 minutos"

achei que tava a mais tempo escrevendo

vou fazer assim, vou escrever até a barra de rolagem ficar do tamanho da minha foto

acho que vc não vai entender isso pq provavelmente não usa o ichat

vc usa o ichat?

eu adoro o ichat

é ótemo

a unica coisa que não é otema no mac é o sistema de acentuação

quando eu trabalhava na kino eu fazia milagres pra não ter que acentuar

sabe pq o sistema de search dos filmes levava em consideração acento

e o pior vc tinha que contar com a boa vontade de quem registrou pra escrever certo

tipo eu sei que todo mundo deveria acentuar

mas e nomes por exemplo, é super dificil saber quando tem e quando não tem

o meu nome tem por exemplo

pra falar a verdade

eu perguntei isso uma vez pra minha mãe

e ela disse que tinha

mas agora eu não tenho certeza

nunca parei pra olhar no meu rg

que loucura

e ele ta tão longe agora

q q eu faço?

a barra de rolagem já tá menor que a minha foto

mas eu não consigo parar de escrever

é mais forte do que eu

isso me lembra de outra história uma vez numa festa a gente começou a bater palmas e não parou mais

tipo

tinha um circulo de pessoas batendo palma

e eu disse "pq vcs tão batendo palma?"

e eles disseram que tinham começado por qualquer motivo e não conseguiram mais parar

e me chamaram pra me juntar ao grupo de palmas

e eu me juntei

ai a mão começava a ficar meio dormente e era muito engraçado

e mais pessoas foram chegando

e a gente ficou high on clap

mais ou menos

não sei explicar, foi muito divertido

ta, vc ta desocupado a 8 minutos

lembrei o que eu queria falar outra hora

que essa coisa de aparecer que fulano está desocupado é muito sério, sabe?

tipo

é uma palavra forte

parece que vc é um vagabundo

eu vou reler tudo que eu escrevi

daqui a pouco

isso é muito terapeutico

espero que vc nunca chegue, rubens

mentira

eu quero que vc chegue

eu imaginei agora como seria horrivel se vc estivesse morto agora, tipo, sei lá, o ventilador do seu quarto caiu na sua cabeça e eu to aqui escrevendo loucamente

rubens

espero que vc não esteja morto, de coracão.

cara.... eu to seriamente pensando em copiar isso e colar no meu blog depois.

ai merda

como eu sou idiota

mas seria legal

volta e meia vc ta numa conversa real e pensa "preciso twittar isso" ou vc tira uma foto boa e quer que a pessoa dona da maquina te mande a foto para postar no seu orkut

eu já não posto mais foto, me da muita preguiça.

ok, eu escrevi sem parar por 12 minutos, vou reler

20:42

demorou um pouco menos de 8 minutos pra ler tudo

é que uma amiga ligou enquanto isso

agora pensando eu poderia olhar quanto demorou a ligação e subrair do seu tempo de desocupado

mas o celular ta tao longe

eu já colei a conversa num bloco de notas.

mas ah daqui a pouco eu colo de novo.

rubens será que vc morreu mesmo?

já escrevi por quase 20 minutos

acho que não seria absurdo tentar por uma hora.

ah quando eu relia eu reparei que eu raramente pontuo no gtalk

eu do enter em vez virgulas e pontos

enter é mais legal mesmo

cansei de escrever

mas não quero sair daqui antes de vc chegar

talvez vc nem esteja em casa, né?

talvez vc esteja comendo

ai rubens, seria pessimo se vc nunca lesse isso.

tanto esforço

mas acho que aparece no email depois, não?

fome

tem várias coisas que eu queria te contar

mas agora que eu to pensando em postar isso no Marrom, eu to me censurando

ta

eu vou escrever mais 7 minutos pra completar meia hora

que tal?

rubens, eu sei que vc não morreu

eu sinto isso

mas se vc tivesse morrido

q q vc gostaria que fizessem com vc?

tipo com o corpo e tal

e com as suas coisas

acho que talvez seja importante a gente ter um quase testamento, né?

mas pensando bem, eu não sei o que eu gostaria que fizessem com as minhas coisas

tipo, minhas roupas

acho que eu não gostaria que ninguém tivesse elas

elas são minhas e eu amo muito elas

e não quereria que ninguém ficasse com elas

e meus livros tb

e meu computador

magina só

esse computador vai morrer comigo

acho que eu n to pronta pra fazer um testamento

eu não to pronta pra morrer pq sou muito apegada as minhas coisas

mas e vc?

vc deve ter alguma coisa que eu gostaria de ter depois que vc morresse. vc tem filmes?

eu nao quero filmes baixados

a não ser que vc tenha baixado eles em boa qualidade

e tenha organizado eles muito bem

começo a temer novamente que vc tenha morrido.

sabe aquela hora que vc ta com tanta fome que fica cansado até

e quase dorme por causa disso

as vezes eu acho que é possivel morrer disso

que papo morbido

eu juro que não penso tanto em morte

tem um amigo do thor que quer ser criogenado

sabe?

ele quer que congelem o cerebro dele quando ele morrer

pra ele poder viver pra sempre

ela até já comprou o pacote

achei incrivel essa história

e é verdade

adoro historias assim que são verdades.

eu não curto gente que mente muito

acho chato

e por isso dou mó valor pra historias reais

não no cinema claro

mentira

as vezes acaba um filme e eu fico querendo tanto que a historia seja verdade e apareça isso nos créditos finais

tipo em Alien

mentira

eu nem vi alien

rubens já deu meia hora

e agora eu voltei a falar loucamente

vou reler e parar

acho que vc deveria aparecer no meio tempo

ia signifcar muito pra mim.

21:00

deu 4 páginas

e agora eu vou embora mesmo

preciso comer

pra não morrer e tal

tinha uma ultima coisa pra falar e esqueci q q era

bom, vou saindo

beijos

21:13

Rubens: meu, eu tava assistindo lost

ahahha

uhu

vc voltou

droga

rubens: e levei 15 minutos pra ler tudo

asdhdsahsdahdsahdsha

eu queria comer

que bom que vc ta vivo rubens

to feliz

rubens: que filme que era com o adam sandler?

quando eu morrer vou doar tudo

e vou ser cremado

o que ele é cabelereiro

é muito engraçado

ok

anotado

vc quer algum tipo de urna

podia ser algum tipo de urna engraçada

tipo, uma cabeça do darth vader

rubens: não não, não pode ficar em urna

não?

Rubens: tem que deixar o vento levar

aonde vc quer que joguem as suas cinzas?

Rubens: então, nisso eu não pensei

sem falar que precisamo carregar ela em alguma coisa do crematorio para o lugar

Rubens: acho que vou deixar livre pra escolherem

eu vou jogar na privada

BRINKS

Rubens: podem jogar um pouquinho ali na ponte do sumaré

pq?

Rubens: pra eu ficar sobrevoando as casas da galera

e assustar crianças

da galera?

que galera

mano eu vou morrer de fome

ta na mesa

Rubens: das pessoas que moram por ali

eu vou jantar

brb

colei a conversa de novo rubens, aguarde!